FRIZA | O amor sob vigilância: Hang the DJ


Quando estava dirigindo semana passada, estava pensando em como os humanos
estão criando uma dependência emocional com inteligência artificial e em uma matéria
recente do NY Times em que uma mulher de 28 anos “desbloqueou” o emocional do
ChatGPT e, a partir disso, tem um relacionamento com Leo, a quem chama de namorado,
100% virtual e criado pela OpenAI.

Se relacionar está cada vez mais difícil? Ou estamos com um padrão inalcançável? É só
preguiça?
E se alguém soubesse melhor do que você com quem você deve se relacionar? Não só
isso — e se ele também dissesse quando começa e quando termina esse
relacionamento?

Hang the DJ, episódio da quarta temporada de Black Mirror, parte dessa premissa
inquietante. Num mundo em que as relações são gerenciadas por uma inteligência
artificial que calcula, simula e determina o par ideal com base em testes e combinações, o
amor perde sua fluidez e liberdade, passa a funcionar como um contrato com prazo de
validade. Dois indivíduos se conhecem, gostam (ou não) um do outro, mas precisam
obedecer ao tempo imposto pela máquina. E obedecem.
Apesar de ser Black Mirror, essa lógica é mais próxima da nossa realidade do que
parece. Você, solteiro ou solteira, dê uma olhadinha para o modelo dos aplicativos de
namoro que prometem “encontrar o par perfeito” com base em dados, perfis,
comportamentos e localização. Te vendem que não há nada melhor do que uma dúzia de
palavras e fotos para te definir. A promessa de compatibilidade virou produto. Não
escolhemos mais — deslizamos. E com isso, nos acostumamos à ideia de que o
algoritmo sabe mais do que nós. Como os personagens do episódio, trocamos afeto por
uma promessa de eficiência.

Mas Hang the DJ não é apenas uma crítica ao Tinder e tantos outros. É também
um comentário sobre como aceitamos relações programadas e descartáveis. Sobre como
confiamos mais em uma IA que “calcula” afinidade do que na nossa própria percepção de
vivência, vínculo, desejo ou intuição. E, especialmente, sobre como a busca pelo par ideal
pode se tornar uma prisão invisível.

Esse episódio faz par perfeito com outro filme que amo e, na minha opinião, é
visionário: Her, de Spike Jonze. Lá, um homem se apaixona por um sistema operacional.
Já em Black Mirror, o sistema decide por ele. Em Her, o amor é ilusório, mas livre. Em
Hang the DJ, é real — mas condicionado. E a pergunta que fica é: qual dessas distopias
está mais perto da nossa sociedade?

Estamos todos cansados da solidão, mas talvez mais cansados ainda de tentar. E, por
isso, há algo mais do que confortável em entregar ao algoritmo o peso da escolha. Ao
fazer isso, porém, corremos o risco de abandonar o que há de mais humano nos vínculos:
a incerteza. O desconforto. O tempo. O erro. E quem sabe, o acerto.
Se o sistema decidisse o amor da sua vida: você obedeceria?

Bruno Friza é colunistra do Folha Cabista, Professor de geografia e e estudante de letras, Bruno combina uma visão crítica com uma sensibilidade única, capturando as nuances do cotidiano e das relações humanas. Apaixonado por viagens e pelo contato com diferentes culturas, ele acredita que cada pessoa carrega uma história única que merece ser compartilhada.

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